Antártida

    Como o número de fotos desta viagem superou o esperado, resolvi separar o relato das fotos. Assim, para ver as fotos, acesse os links no final da página.

    Assim como fiz no Alasca, escrevi um diário desta viagem, que transcrevo aqui.

    Cheguei a Ushuaia no dia 25/12/2010. Cidade bonita, repleta de estrangeiros em busca de aventura. O Parque Nacional tem trilhas gostosas, todas autoguiadas. Fiz uma de tres horas. Lembra muito Torres del Paine, no Chile. Afinal estou bem na fronteira entre os dois países, mas o parque chileno ganha de longe em beleza.
Aqui você precisa de relógio, e eu que ando sem, me perdi um pouco. Eles chamam o dia de 18x6, ou seja, 18 horas de sol e seis de noite por dia. O sol se põe lá pelas 23 horas e nasce às 5 da manhã. Quero só ver na Antártida.... A temperatura está em 6°C, mas quando faz sol sem vento a sensação é gostosa. Quando venta, porem, a queda é brusca.
O Museu do Presídio é interessante se você tiver tempo livre.

    Dia 28/12 embarcamos no Marina Svetaeva. Alan, que diferença deste barquinho para o navio do Alasca. A gente devia ter começado por este e ir subindo de nível. Meu companheiro de quarto é um alemão barbudo, com cara de Rasputin, chamado Markus, e que resultou ser um ótimo camarada. Jantamos às 19 horas e fomos todos os 89 passageiros para o deck ver a partida. Emocionante.
    29/12: Chacoalhou a noite toda. E como! Estou mareado. O capitão está exultante porque o mar está calmo como um espelho. Ele é um russo completamente louco. Tomei meu primeiro Vonau e fui dormir. Remédio milagroso. Em duas horas já estava de pé.
    30/12: Nossa primeira excursão à terra. Todos estão excitados. A descida para os zodiacs é concorrida. Todo mundo faz xixi até o último minuto, pois é proibido fazer em terra... A ilha West Point, pertencente ao arquipélago das Falkland, será nosso primeiro contato com albatrozes e pinguins. Todos fotografam avidamente. É impressionante como as pessoas querem ver tudo através da objetiva de uma câmera fotográfica. Ninguem olha o mundo ao redor. Subitamente o clima muda de quente e ensolarado para frio e nublado. Não se enxerga nada a mais de 20 metros de distância. Aos poucos, tateando o terreno, voltamos para o local do desembarque, ao lado da casa dos dois únicos moradores da ilha, que nos prepararam um chá servido em porcelana, com doces deliciosos. À tarde descemos em Sauders Island. Linda. A praia parece com Itacaré, com duas diferenças: a temperatura e os pinguins.
    A cada descida precisamos passar as botas e tudo o que tocou o chão por uma faxina desinfectante. Vocês não imaginam o cheiro do cocô de pinguim....
   A cabine é ínfima. Três dias vivendo aqui e já está um muquifo. Imagine no 15° dia! O alemão é ótimo. Trouxe uma câmera fotográfica a mais, e quando viu a minha quis me emprestar a dele. Mas eu gosto da minha pequenina, então não aceitei.
    31/12: Stanley. Descemos do barco com sol e calor. Sim, calor para andar só de camiseta. Cidadezinha bonita, 2.500 habitantes, limpa, arrumada, bem conservada. Enfim: inglesa. Tem um supermercado, uma loja, um bar (fechado), e duas igrejas (católica e protestante). Fiquei um bom tempo olhando a cidade e pensando como o ser humano é estúpido a ponto de fazer uma guerra para conquistar este fim de mundo desolado.
Ao meio dia entrou um vento que nos enregelou a todos. Como os zodiacs eram de hora em hora, toca a correr para voltar "para casa".
    01/01: Ontem à noite teve comemoração. Todo mundo se desejando feliz ano novo. Deu saudades de casa. À noite o barco chacoalhou como nunca antes. Não dormi. O tempo não passa aqui dentro. O jeito é tentar se ocupar lendo (eu trouxe 3 livros), batendo papo, jogando kakuro (eu trouxe um montão). Hoje e amanhã vamos só navegar. A temperatura está baixando, as ondas aumentando. Vamos ver como será esta noite.
    02/01: Dormi no embalo do barco. Amanheceu garoando, mas dizem que aqui é sempre assim. Estamos chegando à Convergência Antártica. As ondas molham o deck 4 , que é onde ficam o restaurante, a recepção e o meu quarto!
    03/01: Ilhas Georgia do Sul. Lindas!!! Os pinguins são fofos. As focas, agressivas, atacam; cuidado. Imagine centenas de milhares de pinguins. Imaginou? E sabe onde eles fazem cocô? Pois é, você anda sobre uma lama que chega até o tornozelo e se tiver azar, como o Markus teve, você cai num buraco até a cintura... Ou parafraseando o Markus; "Deep Black Holes".
O frio, o vento e a emoção te consomem. Ao subir a bordo, você está exausto.
    04/01: Grytviken, capital das Georgia do Sul. População permanente: 2. A senhora do correio e o marido dela, que cuida do museu. População temporária: 20. São ingleses que vêm por um ano: o governador, pesquisadores e tres militares (afinal os argentinos podem tentar de novo, né?). Choveu. Passeamos de zodiac. Frio. Não valeu a pena. À noite parou de chover, o sol saiu (sim, era noite) e oferecemos um churrasco no deck para os 22 habitantes. Quando os cientistas estavam explicando o que fazem lá, o capitão mandou todos embora pois o tempo estava mudando. Realmente estava QUENTE e o barômetro caiu. E lá fomos nós para o outro lado da ilha, fugindo da tempestade.
    05/01: Último dia aqui. Amanheceu com um sol esplendoroso. Descemos em Gold Harbour. Lugar lindo. Uma praia onde "desagua" um glaciar, cheia de pinguins e elefantes marinhos. Estes são fofos, com um olhar que te cativa. Dá vontade de abraçar os bichinhos de 500 a 1.000 quilos. Estava quente até começar a ventar. Aí a temperatura desaba. Uma parte do glaciar veio abaixo numa avalanche. Lindo.
 À tarde passeio de zodiac para ver a fauna. Chuva. Que saco, uma hora e meia no barquinho na chuva. Ponto final.
 De noite zarpamos para a Antártida. Scotia Sea. Começou a jogar. Jogar é modo de falar. A proa sobe a onda e quando desce mergulha no mar. E você reza para ela voltar a subir. O centro do barco bate na água, faz barulho de uma pancada. Vibra tudo. O barco range. Parece filme de terror, mas não é. É real. O remédio da Mari me salvou de passar mal. Não deu para escovar os dentes. Fui dormir.
    06/01: Jogou o dia todo. A chuva continua, as ondas idem.
    07/01: Amanheceu com sol e mar calmo. Sem vento. O primeiro iceberg apareceu. Uma plataforma gigantesca. Depois vieram os outros. Dezenas. Enormes. À tarde fomos visitar a estação sub-antártica argentina. São 22 pessoas que passam um ano aqui. E eu reclamando de duas semaninhas... O capitão disse que o mar continuará calmo. Tomara...
    08/01: Frio e chuva. No horizonte, Elephant Island. O dia, de repente, ficou lindo. A ilha é maravilhosa. Shackleton ficou 5 meses lá. Inacreditável, num cantinho de praia, pois ela é feita de montanhas íngremes e glaciares. Não deu para ir de zodiac, pois a maré estava instável.
    09/01: Temperatura: 2°. South Shetland Islands. Descemos numa praia de pedras linda, com poucos pinguins e 2 elefantes marinhos. Andei por ali, fotografei, afastei-me de todos, sentei e apreciei a vista. Praia, mar, montanhas geladas e pinguins. E se você ficar paradinho, eles chegam e te bicam delicadamente para saber se você é coisa boa de comer. Os pinguins, assim como as focas e elefantes marinhos, não têm predadores em terra, então não têm medo de nada. Foi uma manhã encantada. Pensei naquele fim de mundo, na vida, em quem eu amo e que ficou em casa. Extasiado. À tarde iríamos a outra praia, mas há tres dias houve um infarto a bordo e fomos à base russo-chilena para embarcar o doente num avião de resgate que veio de Punta Arenas. Queríamos visitar a base, mas os chilenos não permitiram. Então partimos para o sul. Aliás, tivemos outros acidentes a bordo: um que caiu na escada e luxou o tornozelo e uma senhora que escorregou no gelo do deck e quebrou o braço, mas teve sorte de cair do lado de dentro do barco.
    10 a 12/01: Antártida. Paulet Island, Brown Bluff, Cierva Cove, Cuverville Island. Alguns passeios em terra, vários de zodiac, entre os icebergs. Muito bonito, mas chega uma hora em que você não aguenta mais passear de barquinho, principalmente quando neva ou chove. Você tem que se abrigar e não vê nada. A temperatura ficou por volta dos 2°, 3°. Agradável em se tratando de Antártida, mas quando o vento sopra trazendo o frio do centro do continente, a sensação é de menos 20°, 30°. Me disseram que o tal banho de mar quentinho de Deception Island é enganação. A água é quente, mas tem só 20 cm de profundidade. Então você fica com meio corpo quente e meio enregelado. De qualquer forma não fomos até lá para eu confirmar.
    Às 12 horas do dia 12 começamos o retorno. Às 14 horas entramos na Passagem Drake. Tudo o que eu reclamei na ida foi brincadeira perto disto. Fiquei exatas 60 horas na cama só tomando água e levantando para fazer xixi. Sessenta horas de dia eterno.  Não  escurece.  E balança. E o barco range.

    Gente, a Antártida é bonita. As Ilhas Georgia do Sul são maravilhosas. Mas custo/benefício, não vale o sofrimento, a não ser que você seja um marujo nato e adore o balanço do mar.........

Fotos:

Ushuaia

Falkland Islands

South Georgia

Peninsula Antártica



                                                                                                                                                                                  Retornar à página inicial